Pássaros no escuro profundo (II)



-Trouxe-te ao cais para morrer, amor. Morrer de morte poética.
Odeio sangue, som e sol.
Não gosto de crimes bárbaros debaixo de chuvas.
Não suporto assassinos que não leem poesia a noite, após seus crimes.

Trouxe-te até aqui. É que no fundo eu gostaria muito, meu doce amor, de converter teus olhos imensos e invasivos em alimento para o abismo. Eu posso?...

Com a cal que lava os mortos eu te abençoo!
Com o sal que prepara os portos eu te abandono.
Com o vinho que vela as veias eu te embarco...

Tenha calma. Não se precipite agora. Tua luta será tão em vão quanto foste os teus beijos mornos em noites de frio e fome.
Irei acabar com o teu desassossego. Teu pouso de águia e a doçura estúpida de tua voz eu vou fazer naufragar.
Vou rir desdenhosamente diante do teu desaparecimento milagroso e violento.

Vim até aqui para matar o que existe de ti dentro de mim. Preciso pedir pra Deus uma nova liberdade. Seria possível, amor?

Teu amor é tão pequeno e tão miserável que nem se atreve... Minha juventude inteira eu passei vigiando o teu corpo e o teu pecar. Tua saliva escarlate de víbora... tua sereia assassina!
Tua presença triste e monstruosamente entorpecente para mim servirá em breve de isca para os monstros que habitam o breu dos mares e oceanos.

Trouxe-te ao cais para morrer, amor. Morrer de morte poética.
E depois, se Deus quiser se vingar de mim, eu mostro a ele o poema que fiz de ti.
Mas se Deus não puder ou não quiser me ouvir, eu finjo ser dor e esquecimento.
E se Deus não existir eu me transformo imediatamente em arte e eternidade.

Eu sou poeta e preciso fechar com dor o meu poema...agora. Sinto muito, mulher perturbadora e viril. Não sou Deus. Não possuo misericórdia alguma.
Morra, minha vida feminina, fugindo do farol que alumia a arrebentação bravia.
Morra... linda, louca... banhada de lua e água fria.

Autor: Héber Miguel Caz

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